Geralmente quando nos deparamos com uma pessoa com alguma deficiência, o primeiro sentimento que brota é o de pena. Se for criança, então, esse sentimento se agiganta. Entretanto, o que menos as crianças com alguma deficiência querem é despertar piedade. Pelo contrário.
Todas as crianças precisam ser estimuladas a enfrentar desafios, a criar alternativas para resolver questões, a viver o novo. Não é isso o que as brincadeiras propõem? Montar um quebra-cabeça, colocar o pininho no lugar correto, vestir a boneca com a peça certa, fazer o trenzinho deslizar pelo trilho. Cantar uma musiquinha, imitar um gesto, bater palmas na cadência.
Brincadeira é coisa séria! Muitos estudiosos gastaram seu tempo estudando o significado do brincar para o desenvolvimento da criança. Vygotsky (1896-1934) já falava do faz-de-conta, Jean Piaget (1896-1980) descreveu o jogo simbólico como expressão e condição para o desenvolvimento infantil. A criança, quando brinca, pode mudar a realidade, ao mesmo tempo que a assimila. Dizem que a criança que brinca bastante será um adulto mais feliz.
Muitos pais, hoje em dia, se ressentem de não ter muito tempo para brincar com seus filhos. O mundo moderno, de certa forma, acaba afastando os pais de exercer a sua grande missão: ser educador do seu filho. É na interação pais e filhos que nasce a confiança, o respeito, o amor. Sem nos esquecer de que os pais são os primeiros catequistas de seus filhos. São eles os responsáveis por apresentar o Amor de Deus a eles.
Ora, com a criança com alguma deficiência não é diferente!! Se se sentir uma “coitada”, se as pessoas à sua volta insistirem em vê-la como alguém que não consegue fazer as coisas, ela poderá acreditar e limitar o seu mundo. Ou pior ainda, revoltar-se contra tudo e todos. É durante a infância que a criança desenvolve sua percepção própria e fortalece seu modo de se relacionar com os outros. O apoio dos pais e educadores é fundamental no desenvolvimento da autoestima e da segurança dos pequenos.
Com imaginação, os educadores – pais, professores, catequistas – conseguem adaptar as brincadeiras e todos serão capazes de realizá-las. Se para a criança cega o limitante é o ver, por que não “ver” de outra forma? Ver com a mão, com o tato – sentir a textura, apalpar, cheirar. Se para a criança surda o limitante é o ouvir, por que não “ouvir” de outra forma?
Nós, adultos, às vezes, somos muito limitados. Só conseguimos agir de acordo com o preestabelecido. Não damos chance às nossas mais variadas percepções. Só se monta um quebra-cabeça se se for possível ver as peças. Será? Só se dança se for possível ouvir a música ou fazer iguaizinhos os passos predeterminados. Será? Há muitas e muitas maneiras de realizar as mesmas coisas.
Conviver com uma criança com alguma deficiência é maravilhoso, pois ela força sair das mesmices, a usar a criatividade adormecida dentro de nós, a entender que nada usamos das nossas sensações.
O catequista que tiver a felicidade de ter no seu grupo uma criança com alguma deficiência terá a oportunidade de experienciar essa maneira de ver o mundo de outra forma. Todas as crianças do grupo também ganharão, pois elas se enriquecerão com as diferentes possibilidades criadas. Brincar de uma maneira diferente daquela usual exercitará aceitar o limite do outro, respeitar o tempo do outro e – o mais importante – entender que Deus nos deu muito mais capacidade do que imaginamos.
Como mãe de uma criança cega – hoje não mais criança –, posso afirmar que aquilo que, a princípio, pareceria ser um problema, configurou-se com uma dádiva, pois me permitiu ver que “somos o que fazemos, mas principalmente o que fazemos para mudar o que somos” (Eduardo Galeano).
Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha. *Graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. *Foi professora de Língua Portuguesa e Literaturas brasileira e portuguesa do Instituto Educacional Imaculada. *Atualmente atua como revisora de textos.